A internet e os 15 minutos de fama
Conheço a internet bem de perto desde seu
nascimento. Na verdade conheço bastante pois tenho desenvolvido soluções
conectadas desde 1996, como já
contei antes... De lá pra cá muita coisa mudou em termos de infraestrutura
e solução tecnológica mas o que talvez pouca gente tenha se dado conta é que
muita coisa mudou em termos de comportamento. Com e por causa da rede global de
computadores.
Sempre tive uma pegada antropológica, sempre gostei
de buscar a motivação por trás das atitudes, das ações, dos comportamentos
repetitivos, entender o sentido das improvisações, dedicar um tempo às
idiossincrasias, seja no dia-a-dia, no convívio social, em projetos ou em fatos
ou acontecimentos. Essa abordagem ou talento me faz perceber insights e
oportunidades interessantes para os projetos mas também me faz refletir sobre tudo,
inclusive sobre o comportamento de gerações, pessoas e principalmente do meu
filho. E ando refletindo bastante ultimamente...
Realmente o fato de você poder se conectar com todos
e com tudo traz mudanças bastante profundas no comportamento humano como a
possibilidade de tirar dúvidas simples ou bem complexas a qualquer momento com
conhecidos ou com o Google, estar sempre conectado com amigos e familiares que
moram longe ou compartilhar tudo o que você faz, visita ou vivencia. E mudanças
consequentes como a terceirização da memória, a atenção dividida, uma maior
exposição da sua vida. E isso por sua vez leva a outros comportamentos como o telefone
celular “parte do corpo”, a dualidade do “eu virtual” ou a ansiedade do “like”.
Pedimos para essas coisas acontecerem? Não. Mas
poucas inovações acontecem de uma necessidade explícita. A maioria nasce de
oportunidades ou problemas escondidos que alguém sacou. Mas ainda assim,
mudando antes, junto ou depois, é interessante percebermos o quanto o
comportamento das pessoas afeta e é afetado por essas mudanças. Se hoje você
vai a um restaurante e vê casais numa mesa interagindo com o celular e não
entre eles ou ataques terroristas transmitidos em tempo real ou amplamente
compartilhados em detalhes em redes sociais não podemos dizer que é culpa da
internet...
Lembro bem que para popularizar o uso dos
computadores pessoais diziam que eles acelerariam processos para que sobrasse
mais tempo para que as pessoas curtissem a vida, aproveitassem melhor os
momentos. Isso aconteceu? Não. Tivemos mais tempo para trabalharmos mais,
sermos mais “produtivos”. Estar conectado com pessoas virtualmente aproxima as pessoas,
não há dúvidas. Mas também as desconecta fisicamente uma vez que elas estão
dividindo seu tempo com o virtual. Poder dividir coisas boas com as pessoas e
deixar dicas sobre um bistrô bacana, um hotel incrível ou uma praia escondida no
calor da emoção de estar vivendo aquilo é muito legal! Dividir opiniões
questionáveis, anti-éticas, racistas ou homofóbicas com certeza não é legal. Mas
também não é culpa da internet...
Para toda divulgação de informação existe um
consumidor, alguém que está dando um “like” ou que está simplesmente dando
visualização para aquele conteúdo. E infelizmente notícias, imagens, vídeos e
fatos chocantes chamam muito mais atenção do que imagens corriqueiras, goste
você ou não. Elas vão te fazer parar para ver. Mas se a divulgação excessiva, a
busca pela fama na internet custando vidas está incomodando a todos, a reflexão
que devemos fazer é: até que ponto cada
um de nós é agente dessa transformação? Estamos consumindo imagens e exposições
alheias demais? Estamos distribuindo informações simplesmente porque chocam
sabendo ou não da veracidade daquilo? Estamos dando “likes” verdadeiramente
porque gostamos daquilo? Gostaríamos que uma imagem como aquela nossa fosse
divulgada?
Estamos hoje a um clique da exposição. Qualquer
pessoa na rua pode tirar uma foto sua num momento íntimo e publicar, queira
você ou não. Está errado? Muito! Mas será que você não está consumindo imagens
assim também?
A tecnologia continua e vai continuar a evoluir
muito. Se hoje as fake news parecem verdadeiras, você ainda não viu os super
realistas vídeo-fakes. Mas o problema ou a “culpa” não está na tecnologia.
Nem em quem cria. Mas em quem consome! Os últimos acontecimentos (caso Suzano e
ataque terrorista em Christchurch) tiveram como motivação a divulgação nas
redes e na mídia. Infelizmente foram e continuam a ser fatos amplamente
filmados e divulgados em sórdidos detalhes. E por que? Culpa da internet ou sua
que continua olhando, se chocando, compartilhando e comentando cada vez que vê
as mesmas cenas na TV, WhatsApp ou algum site??
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