Uma incompletude conhecida e cuidadosamente concebida

Em boa parte das minhas aulas e palestras começo com um pouco de história e falo das ondas do design centrado no usuário, coisa que já escrevi por aqui também. Sempre que me perguntam sobre minha opinião sobre a quinta onda respondo: “faça você mesmo” (do yourself). É uma teoria particular embasada em tudo que tenho lido em termos de tendências e inovações. E fácil de acreditar com alguns movimentos ao redor, como por exemplo de ondas de personalização, de cursos de programação, movimento makers e as próprias tecnologias emergentes (IoT, inteligência artificial etc) que trazem uma identificação e análise de você e sua vida.

Mas se essa é a nova onda, antes de mais nada precisamos restabelecer a própria definição de inovação. Na academia é comum nos depararmos com autores e pesquisadores afirmando que a inovação só acontece de fato quando o produto sai da prateleira. Alguns vão além afirmando que é quando a solução (produto ou serviço) é usada. Mas se eu estiver certa e a quinta onda do design centrado no usuário for o “faça você mesmo” a inovação também vai mudar de lugar.

É importante entender que o “faça você mesmo” não significa uma nova era de artesãos e escambo como modelo econômico (pode até ser que contemple também, mas não estamos falando de uma mudança de jogo). E também não significa apenas tudo que está encerrado na palavra “personalização”. Não estou afirmando que todas as pessoas comprarão ou construirão todas as peças necessárias para montar um dispositivo que rode o WhatsApp nem tão pouco estou dizendo que novos modelos de celulares modulares serão lançados e as pessoas vão montar os “seus” de acordo com suas necessidades. Isso já existe hoje, é possível portanto mas exige um grau ainda alto de conhecimento específico que nem todos querem ter.

O que quero dizer aqui está mais para um “termine você mesmo”, tem a ver com apropriação (_ato ou efeito de apropriar-se, de se tornar próprio, adequado; adequação, pertinência). Entregar algum produto ou serviço que vai ser diferente para cada pessoa que usá-lo porque cada pessoa vai termina-lo de maneira própria.

Nessa lógica a própria inovação, a meu ver, deixa de acontecer quando ela sai da prateleira mas quando ela passa a ser experienciada de um jeito particular por cada uma das pessoas que a adquiriu. É como se concordássemos que o que vai ser entregue é algo inacabado que precisa dessa apropriação para tomar forma, uso e personalidade. Para nós designers é entender que o que vai ser cuidadosamente concebido é algo conhecidamente incompleto.

É como se a nossa “gambiarra” fosse finalmente efetivada! Promovida a um estado final desejado de um produto. É dar peso e importância a improvisação – aquilo que você faz para usar o celular enquanto dirige ou aquele Bombril que você colocava na antena da tv (referência meio antiga, eu sei...  :)

E nesse contexto o processo de inovação muda. Dá para imaginar que o ponto de partida do próprio trabalho de User Experience, a pesquisa sobre o comportamento das pessoas no presente não basta. É preciso prever ou ao menos imaginar o futuro ou os possíveis futuros a partir dessa análise presente.

Mas falarei sobre isso em um outro post...

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