Design & Inovação

Design de maneira muito genérica pode ser definido como disciplina de solução de problema. Por isso e pela recente virada da inovação especialista para inovação centrada em pessoas ou inovação significativa, o design (incluindo o Design Thinking) vem sendo considerado como ferramenta estratégica em processos de inovação. Focar no que inovar não é suficiente e o Design como área de conhecimento traz de maneira intrínseca o entendimento das pessoas, seus comportamentos, dores, problemas, dificuldades bem como aspirações, desejos, expectativas e tendências de comportamento no sentido de resolver suas questões para então como, quando e porque inovar.

Em publicação recente, Menon (2015) argumenta que o Design, com sua característica planejada e abordagem criativa, pode desempenhar um papel importante na identificação de oportunidades para inovação, uma vez que é um processo planejado e estruturado de alcançar produtos, sistemas e serviços criativos. Para tal os designers precisam lidar não apenas com problemas específicos mas também aspirações, comportamentos e preocupações. Empresas com modelos de negócio orientados à inovação já entenderam isso posicionando líderes com uma abordagem mais atualizada, sendo os times constituídos por designers altamente criativos e estratégicos, fluentes em convergência tecnológica, necessidades sociais, ecológicas e de negócios. Segundo o autor, “o Design com sua habilidade de extrapolar tanto o macro quanto o micro nível é idealmente apropriado para alcançar áreas de oportunidade em níveis tanto incrementais como disruptivos”.

Para entender esse lugar de destaque do design é importante contextualizarmos o período que estamos em relação às ondas do design centrado no usuário e a importância que essa abordagem tem trazido para inovação.


  1. No começo dos tempos, com a popularização dos computadores, não só PCs mas a informatização de muitos processos, o que vimos foi a centralidade da máquina. Não importava o que estava sendo automatizado mas a tecnologia - empurrada goela abaixo - era o bastante para fazer qualquer mágica acontecer. Claro que a coisa não se provou bem assim e as pessoas tiveram muita dificuldade de usar. Foi então necessário um grande esforço em treinamentos, assistência e suporte externo. O que gerou, obviamente altos custos operacionais.
  2. No segundo momento passou-se então a tentar resolver alguns problemas antes. A tecnologia vinha para automatizar, acelerar ou mesmo modificar processos e as pessoas precisavam saber como lidar com aquilo para que desse certo. Erros de percurso eram custosos e poderiam afetar toda uma produção, por exemplo. Foi então que nasceu a engenharia de usabilidade. Antes que uma aparato tecnológico fosse aplicado, era necessário testá-lo com pessoas em laboratório (na maioria das vezes) e fazer alguns ajustes para que seu uso ficasse um pouco mais palatável - ainda que a "inteligência" do usuário para uso do dispositivo fosse obrigatória.
  3. Na terceira onda, ainda que a tecnologia seja a protagonista, ela passa a entrar depois de mapeada a necessidade do usuário. Não apenas se modelo mental começa a ser levado em conta para entender de que maneira ele pretende usar aquela ferramenta como também o que ele espera conseguir com aquilo, em que a tecnologia poderá ajudá-lo. Surge aqui o conceito de acessibilidade - sim, pessoas com deficiência precisam de ajuda. Surge também a combinação de tecnologias para amplificar uma experiência, facilitar o uso e solucionar problemas de forma muito mais completa. Não só a tarefa é importante mas toda a experiência de uso.
  4. Na quarta onda já percebemos uma mudança radical no foco e podemos dizer finalmente que o humano está no centro dessa equação. O ponto central não é mais a tecnologia A ou B, mas a necessidade das pessoas em determinada situação para uma solução que pode ou não ser uma nova tecnologia (na maioria das vezes não é). Na verdade essa inovação pode ser um processo diferente, uma forma diferente de resolver alguma coisa a partir da combinação de tecnologias existentes ou apenas uma mudança na entrega de um serviço para uma experiência mais completa e boa. O foco, claro, está agora nas pessoas, mas dentro do ponto de vista do negócio da empresa. Tem que fazer sentido para ambos. Lembrando que esse "fazer sentido" é extremamente volátil e que a inovação não é estanque mas é um processo contínuo de pesquisa e solução de problemas. 
Junto à discussões sobre o tema inovação sempre vem a questão dos impactos da inovação incremental e disruptiva. Norman e Verganti's em 2012 escreveram um artigo para tentar mapear processos de design e inovação centrados no usuário que levam a essas inovações e chegaram a uma conclusão bastante interessante. Segundo eles, as pesquisas de design com já usuários de determinada solução levam a inovações incrementais, uma vez que são focadas em coisas que as pessoas já conhecem (parece óbvio?). Por outro lado, as inovações disruptivas são, na maioria das vezes, resultado de uma apropriação significativa de alguma tecnologia já existente, possível apenas a partir da análise das aspirações das pessoas associada à exploração de novas técnicas. A diferença aqui, segundo eles, está no ponto de partida: não se tratam de pesquisas com usuários de alguma coisa, mas vivência, pesquisas, tendências e observações que buscam capturar mudanças socioculturais, o entendimento de evoluções e alterações de comportamento das pessoas (público-alvo e inventores), a rede intrincada de relações e o senso de percepção de seus mundos antes mesmo que a solução já esteja concebida. Na maioria dos casos pesquisados pelos autores, os inventores pensam em coisas que eles mesmos gostariam de usar e experimentar, por isso seus papéis muitas vezes se confundem entre inventores e usuários. E é o que vemos acontecer, por exemplo, com as Startups.

Assim como Norman e Verganti’s (2012), Menon (2015) também concorda com a estratégia do design orientado à inovação que “faz sentido”. O “fazer sentido” por sua vez está relacionado menos ao porque as pessoas precisam de um produto e mais do que elas precisam no produto, já apresentando um ponto de vista mais completo quando se referem a esse “produto” inovador.

C. Freeman, em seu livro "A Economia da Inovação Industrial" inicialmente publicado em 1975, se debruçou sobre os padrões de sucesso das inovações e apontou alguns resultados que reforçaram essa visão de inovação centrada em pessoas enfatizando sua característica volátil. Já naquela época ele ressaltava que a necessidade do mercado, bem como a própria oferta de solução tecnológica, está em constante mudança, tanto social quanto científica. Combinações antes impossíveis, tanto pela ainda imaturidade de certa tecnologia e aos avanços ainda necessários, quanto pelo contexto e pela própria relação antes implausível, tornam-se extremamente apropriadas e certeiras para novas e atuais demandas do mercado ou, ao contrário, tornam-se obsoletos processos tecnológicos antes interessantes.

Os casos de sucesso mapeados pelo autor trazem centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em grandes empresas e indústrias de todo o mundo, onde engenheiros e cientistas, em parceria com instituições de ensino, interagem de maneira multidisciplinar para o desenvolvimento de soluções que vão de encontro à compreensão das necessidades dos usuários, ao entendimento do mercado já em estágios bastante iniciais de inovação, sem deixar de levar em conta a viabilidade técnica e econômica, onde o custo de seu produto em relação ao mercado não podem ser negligenciado. Definindo a inovação como um “processo de acoplamento”, Freeman associa os casos de sucesso desses P&Ds: 1, ao constante avanço da pesquisa científica, com mapeamento de novas descobertas e possibilidades técnicas formando uma ampla rede de conhecimento; 2, à proximidade com o mercado (usuários, consumidores, pessoas), tanto para novas oportunidades quanto para aprimoramentos; e 3, à interligação desses dois primeiros itens à partir de competentes sistemas especializados de armazenamento, manuseio e recuperação de informação bem como de geração de ideias. Um ciclo constante de inovação que começa com a identificação de problemas, passa por pesquisa e criatividade até chegar a uma solução que faz sentido.

Se voltarmos e observarmos novamente as ondas de inovação podemos perceber além da mudança de foco um certo ajuste uma vez que não estamos mais falando de testes de usabilidade ou o que as pessoas esperam encontrar com o uso de um certo recurso tecnológico. O diferencial, o que vai fazer diferença numa invenção e transformá-la em uma inovação de fato é entender o que as pessoas esperam para resolver um problema, para melhorar uma ação, para minimizar uma dor, encurtar um caminho ou acelerar um processo ou seja, o que é significativo para elas. Trazer a tecnologia ou um serviço de uma forma apropriada, no momento adequado, da maneira certa, pensando em todos os pontos de contato ao logo da experiência de uso é que vai fazer da solução uma inovação.

Para quem é designer isso parece bastante comum. Mas para empresas que ainda possuem processos engessados, equipes voltadas mais para o hardware, o sistema ou para os processos internos do que para a experiência de uso, só essa abordagem em si já é um desafio - e uma inovação.


FREEMAN, C. (2008) A Economia da Inovação Industrial. Clássicos da Inovação, Ed. da Unicamp, (original de 1975), cap 8.
MENON, Gayatri. The need for design approach in opportunity identification stage of product innovation.Voice of Research, Vol 3 Issue 4, 2015. p. 49-53. 
NORMAN, D. and VERGANTI, R. 2012. Incremental and radical innovation: design research versus technology and meaning change.
The four waves of User Centered Design. UX Magazine https://uxmag.com/articles/the-four-waves-of-user-centered-design.

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